A MAIOR LIÇÃO DE UM MESTRE

FOTO-Chico-Anysio-421x300-2012-04-16-06-41.jpg

Infelizmente trabalhei muito pouco com Chico Anysio. Uma dessas poucas vezes foi quando criei o especial "A História do Humor na TV" pelo Multishow, em 2001, uma série de quatro programas cuja proposta era entrevistar apenas grandes autores do humorismo da TV brasileira e até hoje é um dos meus maiores orgulhos como autor. O entrevistador era o Bruno Mazzeo, uma sugestão minha. Acho que foi quando nos conhecemos e a primeira vez que trabalhamos juntos. Bruno entrevistou Max Nunes, Alexandre Machado, Claudio Paiva, e Chico, como o último entrevistado. A entrevista rendeu tanto que tivemos que desdobrá-la em dois programas, o especial acabou ficando com cinco, mas ninguém reclamou. Não havia como. Tenho o material bruto guardado com carinho até hoje.

O que mais me impressionou de todo o material gravado, entretanto, foi ver Chico dizer mais de uma vez, quase de forma obsessiva, que ele não se achava engraçado. Para ele engraçado era o Costinha, o Mussum, o Golias, comediantes que entravam em cena de cara limpa, sem texto, sem nada, e faziam rir só por estarem no palco.

Claro que havia muito de modéstia nessa opinião, pois ninguém nunca duvidou da capacidade de Chico de fazer rir. Para mim também poderia ser uma forma generosa de elogiar amigos e colegas que não alcançaram o prestígio que ele havia conquistado. Poderia. Assim como há quem visse nisso uma indireta, e em se tratando de Chico havia tudo para que fosse, de como o humor é mais do que ser engraçado e fazer rir. Como ele sempre dizia, "O humor é tudo. Até engraçado".

Para ele o humor sempre foi mais do que um estado de espírito ou uma gargalhada a qualquer custo. Para ele humor era uma categoria de pensamento, era principalmente disciplina, trabalho, atenção. A sua principal dica a todos os autores que se aventuravam no humor era para que se escrevesse o máximo que pudesse. “Escreva todos os dias”, dizia ele, “pratique todos os dias, não fique um dia sem escrever. A imaginação pede exercício constante”.

Tenho mais do que certeza de que ele realmente seguia a regra. Pois além de ser um do autores mais coerentes que já conheci, acho que nenhum outro comediante brasileiro trabalhou como Chico. É uma coisa óbvia, eu sei, mas é necessário destacar: ninguém cria centenas de personagens como ele criou apenas com talento e genialidade. Havia em cada um dos seus personagens uma dedicação impressionante, um amor pelo que se faz, que transcendeu e foi muito além do que qualquer outro humorista nacional já fez ou virá fazer.

Sempre que penso em seu trabalho me lembro da resposta do pianista Ignace Paderewski a uma fã. Ao final do recital ela chegou até ele e disse "Eu daria minha vida para tocar piano como você", no que ele respondeu "Pois é, eu dei". Pois é, Chico também deu. Poucos param pra pensar que o tempo de maquiagem de um Bento Carneiro parecia infinito, que a voz do Professor Raimundo muitas vezes cansava-lhe a garganta por dias, que na Globo dos anos 70 a temporada inteira de Chico City às vezes era gravada em três meses, à toque de caixa, chegando a encenar duas dezenas de esquetes num só dia.

Arrisco dizer que ninguém na TV brasileira trabalhou tanto. E se trabalhou, ninguém manteve a qualidade e capacidade de comunicação que Chico manteve por tantos anos. Seu talento era descomunal sim, era gênio sim, mas foi a sua capacidade de trabalho o seu maior exemplo, e seu maior legado, e temo que seja o que as novas gerações de comediantes mais tenham dificuldade em enxergar, entender e aprender.

Em uma época onde qualquer um que sobe num palco com um microfone na mão se apresente como humorista, onde qualquer um que faça pegadinha de rua se passe por ator, onde contador de piada se diz comediante, seria lamentável que se passasse em branco a maior lição que ele nos deixou. Porque ser engraçado, meus caros, muitos podem ser, fazer piadinha qualquer um faz, mas deixar uma obra é para poucos.

Chico podia até não se achar o mais engraçado, mas com certeza foi o humorista que mais nos fez rir, mais nos fez pensar, mais nos emocionou, mais nos encantou do que qualquer outro. Foi a união mais equilibrada de talento e capacidade de trabalho que a nossa TV já viu e que nunca mais se repetirá. Que sua ausência, portanto, não torne-se apenas uma lacuna impreenchível. Pelo pouco que o conheci sei que odiaria isto.

A melhor forma de homenageá-lo é ter a sua capacidade de trabalho como fonte de inspiração. Que relancem seus livros, que corramos atrás dos seus discos, que a GloboMarcas finalmente tome vergonha na cara e elabore uma caixa de DVDs que faça jus ao seu trabalho. Porque insubstituível todo comediante ou quase todo mundo é. Mas é aquilo que construímos, aquilo que deixamos em vida, o que faz a diferença. E ninguém deixou obra melhor ou maior para o humor da TV brasileira do que Chico Anysio.

Adeus, velho mestre. Obrigado por tudo. Vá com Deus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário